VISÃO
As horas se arrastavam enquanto eu esperava a sua presença. O tempo não me deixara esquecer a perfeição de seu rosto. Vê-lo era a única coisa que podia me fazer sentir melhor. Estava na mais profunda e imensa escuridão. Chovia muito lá fora.
Foi quando duas batidas na porta me salvaram. Levantei-me num salto e escancarei a porta. Lá estava eu, ridiculamente nervosa; e lá estava ele: o meu milagre pessoal. Meus olhos acompanharam suas feições pálidas; o quadrado do queixo, a curva suave dos lábios cheios (agora formados em um sorriso), a linha reta do nariz, o ângulo agudo das maçãs do rosto, e o mármore macio da testa (ocultada por uma mecha de cabelo bronze, queimado). Sabendo que, quando olhasse para os olhos perderia o fio do pensamento, deixei-os por último. Eles eram grandes, calorosos como brasa e emoldurados por uma franja grossa de cílios escuros.
Olhar seus olhos sempre me fazia sentir maravilhada, extraordinária, como se meus ossos tivessem virado esponja. Eu também me sentia um pouco tonta, mas isso deveria ser porque me esquecia de respirar ao seu lado.
Peguei a sua mão e suspirei quando seus dedos frios encontraram os meus. Ao tocá-lo, sentia uma sensação estranha de alívio, como se eu sentisse uma dor intensa que, ao calor do toque repentinamente, cessasse.
Ah, como isso era reconfortante, ao seu lado, olhando nos seus olhos, eu me sentia segura. Eis alguém que eu amava. Ele entrou em minha casa e me beijou.
Suas mãos tocavam suavemente meu rosto, e seus lábios quentes, eram gentis, inesperadamente hesitantes. O beijo foi breve e muito doce.
Era um fato com provado, eu o vi e tudo ficou melhor.
Após dois dias, recebi um telefonema. Preferia ter morrido ao tê-lo escutado. Era um convite, um convite para o sofrimento; ele havia morrido num trágico acidente de carro e eu estava sendo “convidada” para ir ao seu enterro.
Afundei no sofá ao ouvir a notícia, permitindo que a fraqueza me esmagasse. Lutei para me controlar, mas as lágrimas caíam desesperadamente. Perguntei-me se um dia elas acabariam.
Chorei durante semanas e não fui ao enterro.
As lágrimas teimavam em cair. Eu não conseguia parar de chorar, elas me consumiam por inteira, era algo inexplicável. Eu já não dormia direito, mal enxergava as coisas. A tristeza havia me dominado completamente. Por mais que vasculhasse em minha cabeça, não achava uma reserva de forças.
Triste, acabada, meu coração martelava audivelmente, olhei para frente sem nada ver. As lágrimas haviam secado. Mas junto com elas o meu sentido de ver. Fiquei cega.
Por incrível que pareça, preferi deste jeito. Assim, saberia que querendo ou não, nunca mais conseguiria vê-lo de novo, estando ele morto ou vivo ao meu lado. A ação ou o efeito de ver já não era mais tão importante.
Nunca mais veria a perfeição
Boas Noites
domingo, 30 de maio de 2010
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