PERCEPÇÕES
Já vivi dias melhores. Se hoje vagueio pelas ruas, ignorado e sem perspectiva, foi por não ter tido forças para lutar contra o vício da bebida. Minha vida mudou muito, desde então. Passo o dia observando as pessoas e seus hábitos; suas atitudes não só em relação a mim, que para seus olhos não passo de um mendigo qualquer, mas em relação ao mundo que os cerca e às coisas que não dão valor.
Vejo isolamentos, indivíduos percorrendo seus caminhos sem perceber os que estão a sua volta. Então por que chamar de cidade um conjunto de pessoas que não interagem, que mal se importam umas com as outras? Fica a sensação que já não faço mais parte dessa cidade, que a ela não pertenço ou ela não me pertence. Como se eu fosse um mero turista; apenas de visita. E não é porque hoje sou de um segundo lugar, que sofre preconceitos. É porque ninguém tem mais olhos pra ninguém.
Não era assim nos meus tempos de riqueza, quando as pessoas ainda se preocupavam umas com as outras (eu mesmo não dava muita importância pra isso, mas hoje consigo entender). Não era essa coisa da mãe falando ao celular enquanto o filho chora, nem de moleque que fica horas na frente do computador sem falar com ninguém. Os que habitam esta cidade estão desumanizados. Outro dia, enquanto pedia umas moedas na calçada, vi um empresário passar sem responder para o porteiro que lhe dizia: bom dia. E por quê? Porque ele se veste melhor, estudou e tem diploma? Ou só porque ele se acha melhor? No metrô, cansei de ver jovens saudáveis sentados, sem dar lugar a senhoras de idade agarradas nos postes pra não cair. É assim que assim vamos criando o isolamento, sem perceber que deveríamos fazer parte de algo maior. Deveríamos formar uma sociedade, não deixar que o individualismo fale mais alto.
Na vida humana, nada possui respostas únicas. E, pelo que vejo atualmente, as perguntas são mais importantes do que as respostas. Não seria disso que essa sociedade precisa? Questionar, perguntar se o que está fazendo, ou melhor, se a forma como está vivendo pode ser chamada de cidadania? Ser apenas indivíduo não é ser cidadão.
As pessoas devem se perguntar: o que posso fazer para melhorar? Como EU posso ser um cidadão e contribuir para a formação de uma verdadeira sociedade? É isso que quero ensinar para meus filhos? Nós somos os construtores do que ainda não é, mas é possível ser.
Mudei sim, acho que a vida quis que fosse desse jeito. Perdi tudo que tinha, casa, mulher e família. Foi terrível, mas ainda assim consegui enxergar algo positivo. Porque foi apenas deste modo, estando do outro lado, é que pude perceber o quanto é preciso que as pessoas se ajudem pra formar uma sociedade verdadeira. É preciso ver o que a segregação nos impede de enxergar: o coletivismo, a solidariedade e a humanização, que representa o verdadeiro espírito de uma sociedade.
domingo, 30 de maio de 2010
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