terça-feira, 25 de maio de 2010

PASSAGEIROS DO TEMPO

PASSAGEIROS DO TEMPO

Quarta-feira, fim de tarde. Reunião na Nestlé, primeira vez no cliente. Fácil acesso pela Av. Luiz Carlos Berrini, Morumbi. Desço e me dirijo à recepção.
Ela abre um sorriso ao me ver. Faz sinal para que eu espere enquanto está ao telefone. "Eu a conheço", penso. Encosto no balcão e olho para ela novamente. "Tenho certeza que já a vi em algum lugar". Cabelos negros, olhos castanhos, sorriso de criança. No crachá, Vanessa. Procuro me lembrar. Fixo os olhos no chão e saio varrendo a mente em busca de respostas. Nada. Nossos mundos distintos pareciam criar um abismo ainda maior. Não havia respostas. Havia apenas uma luz, que como num estalo brilhou e, da mesma forma que veio, se foi.
Ela desliga o telefone. Digo quem sou e peço pelo Ronaldo da contabilidade. Ela liga para ele, preenche a ficha e me entrega, juntamente com o crachá de visitante. Incrível como toda essa burocracia me faz mal.
- Ele pediu pra você subir e aguardá-lo na recepção do segundo andar - o sorriso me pareceu ainda mais familiar, como se um dia tivesse feito parte de um sonho. - Ele o encontrará lá.
Olho ao redor e não vejo escadas.
- E como chego ao segundo andar?
- Nunca esteve aqui antes?
"Se tivesse estado, não perguntaria". Preferi manter a polidez.
- Não, é a primeira vez.
- Então queira me acompanhar, por favor.
Ela sai de trás do balcão, dá a volta e se dirige a uma porta de vidro na lateral. "Conheço você..."
- Está vendo aquela rampa? - Ela aponta na direção de outro prédio. - Vá por ali e ao final da escada vire à direita.
Agradeço e tomo meu caminho. E de repente sua voz volta atrás de mim.
- Tem certeza de que nunca esteve aqui?
As obviedades pareciam se suceder, me virei.
- Tenho.
- Desculpe. É que você me é tão familiar que achei que já tivesse estado aqui antes...
Estremeci enquanto ela dava as costas e voltava para trás do balcão. Sua rotina permaneceria ali, encerrada em seus anseios e dúvidas que por um instante me assaltaram como se fizéssemos parte de um plano comum. O elo, atado em algum lugar do passado, uma vez mais se desfazia.
Permaneci ali, parado, como se o tempo tivesse congelado aquele instante. Fechei os olhos e suspirei, vi flashes de luz em meio a uma enorme tempestade.
Achei que escreveria sobre isso.


GISELE CHARAK

Nenhum comentário:

Postar um comentário